quinta-feira, 18 de março de 2010

Querida Olívia.

Confesso. Você me preocupou hoje. Não resisti e, ao invés de preparar os documentos para a reunião de amanhã (você sabe que com freqüência deixo para fazer parte do trabalho em casa à noite), decidi te escrever. Você já sabe como as palavras valem preciosidades para mim.

Quero te me falar amizade amor e sensualidade. Sei que não tenho uma vida assim tão cheia de aventuras, nem uma vida longa o suficiente para dar conselhos. Uma vez, e te asseguro não foi a única, marquei um encontro cuja intenção era ter uma boa noite de sexo. Ao chegar na casa do rapaz, deparei-me com uma enorme quantidade de discos e livros. Minha paixão pelos livros me levou de imediato para as prateleiras. Ele era meio hippie e colocava seus livros dispostos em tábuas, sustentadas e separadas em cada ponta por tijolos. Próximo às estantes de tábuas, muitas almofadas pelo chão. Sentei ali e enquanto aguardava que ele me trouxesse uma cerveja, reparei na grande quantidade de livros de e sobre Walt Whitman. Quando ele voltou, com seu sorriso leve e envergonhado e perguntou se eu tinha dito água ou cerveja, perguntei-lhe se ele gostava de Whitman. Ele não me trouxe a água. Ele não me trouxe o álcool. Sentou ao meu lado, pegou o violão e depois de saber que gosto das poesias de Whitman, quis me mostrar a música que ele tinha feito para um trecho de poema. Falou da sua pesquisa e de como ele lia esses poemas. Falou de música. Fumou. Tirou a roupa. Não toda. Falou que gostava de escrever, que gostava de enigmas. Falou do vigor poético, do poder de transformação da poesia. Falou da relação entre música e poesia. Falou. Falou. Ouvi. Falei. Ele me ouviu. Lembrou da água ou da cerveja. Não deixei que ele levantasse do colchão. Me abraçou e me disse que não tinha problema se eu não quisesse transar. Me marcou o alívio que senti. Não transamos. Dormimos abraçados. Tivemos muitas outras noites de conversa.

Noutra época, não sei mais dizer se antes ou se depois do que acabo de contar, tinha uma colega de trabalho muito próxima. Éramos grandes amigos. Andávamos de mãos dadas, andávamos abraçados. Ela também já amara homens e mulheres. Numa tarde, na praia, na hora de nos despedirmos, nos beijamos. Depois disso, descobrimos que nos amávamos. Quando deitávamos juntos, deslizava meus dedos sobre seu corpo, podia ler sua pele. Eram tempos longos, de contagem duvidosa. Sua respiração, seus seios fartos, um osso mais saliente, uma curva sobressaltada, o cheiro do seu suor, seu peso. Tanto me excitava. Juntos sob o sol escaldante. Juntos na água. Juntos ao relento. Juntos sob o azul do céu, sobre a grama. Só nós.

Te conto isso porque gosto de contar estórias. Fatos, lembranças, fantasias, invencionices: quero te dizer que o importante é estar atento ao caminhar da estória. Às vezes, a atração pelo olhar resulta no carinho e às vezes a proximidade do carinho resulta na atração. Às vezes a gente marca um encontro cuja intenção é ter uma boa noite de sexo. E tem. Às vezes a gente marca um jantar cuja intenção é ter um bom papo. E tem! Às vezes a gente marca um encontro cuja intenção é ter uma boa noite de sexo. Tem a noite. Tem o sexo. E não é bom. Às vezes a gente marca um jantar cuja intenção é ter um bom papo. Tem a noite. Tem o jantar. E é ruim. Às vezes. Ou as vezes. Revés. Como saber se a gente sente tesão ou carinho? Estando próximo, estando atento. Sim, entendo o que você diz. Mas eu gosto dessa imprecisão. Bom é estar perto das pessoas de quem a gente gosta e deixar que o inesperado brote dessa proximidade. Escrito assim parece simples. E é. Difícil é a gente deixar de querer complicar. Isso é extremamente arriscado. Tanto o rapaz quanto a moça poderiam ter se zangado comigo...

Um abraço muito forte para você,

Caio Marques

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