quinta-feira, 18 de março de 2010

Carta ao Pedro

Querido amigo,

O tempo transcorreu e agora que me dei conta de que aqueles sentimentos dentro da sua bagagem dele germinaram em mim. Ocorreu que não fui suficientemente ágil. Não percebi se o baú tinha ficado ali propositadamente ou se tinha casualmente escorregado. Qualquer um perceberia a queda de um baú. Mas e se ele tiver caído sem querer e você tiver apenas desistido de levá-lo? Será que você percebera que eu estava ali e propositadamente o deixou para mim? Não terei respostas definitivas para essas perguntas. Não parei para pensar se elas são necessárias. Dentro do baú encontrei futuros improváveis, presentes reprováveis, segredos irreconhecíveis, um ou mais sonhos acalentados – ou será roubados? – por um futuro para sempre perdido. Beijos que por amor não foram trocados. Saudades. Carícias caminhando a esmo porque destinadas não encontraram seu corpo de destino. Fechei de imediato. Não queria isso para mim. Anteontem quando nos despedimos, percebi que você carregava outro baú. Voltei, como sempre, a pé para casa e me perguntava, o quanto podia, se o baú que você me deixou – propositadamente ou não – era apenas o rebutalho. O verdadeiro baú, aquele cheio de sentimentos nobres, ou de sentimentos positivos, construtivos talvez, o verdadeiro baú era aquele outro. O que você não me entregara. Adormeci triste. Quando acordei, senti uma protuberância inaudita nas minhas costas. Preocupei-me. Na hora do almoço, sob as árvores, abraçados pelo calor, embalados pela amizade, percebi que você sorrateiramente entregara outro baú. Estávamos em quatro. Fiquei desconcertado. Não compreendi o sentido do seu gesto. De noite, quando cheguei em casa, cansado das incansáveis disputas pelo poder no cotidiano, percebi que a protuberância havia se transformado numa planta. Cheia de folhas. Curiosamente não vi estranheza nisso. Adormeci alheio. Pela manhã, já sem esse corpo estranho dentro de mim, arrisquei te compreender. Você se dedica a encher baús. Propositadamente. Escolhe o destinatário e insere dentro dele os disparates mais apropriados para o sujeito. E entrega. Com isso, descobri que sua sinceridade está na força com que você envia seus sentimentos e não na adequação entre o que você sente e o que você expressa. Pouco importa se esse amor, dentro do baú, existe ou não. Ele germinou em mim. Assim como certamente germinou nos outros dois que estavam sob as árvores. E esse afeto, que não precisa ser sempre e só amor, cresceu rápido. E gerou uma sombra, sob a qual, num dia de muito calor vou te entregar a minha bagagem dele. Oxalá você abra e daí prepare mais baús cheios de sentidos sem serventia alguma.
Abraço,
Alberto

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