segunda-feira, 1 de março de 2010

Carta para Maria Claudia Canto fev 2010



Brasília/Natal (voo), 05 de fevereiro de 2010.

Querida Maria Claudia.

Quem deve ser ou quem pode ser o meu personagem? Quem deve ou pode ser o interlocutor da Anita? Ainda não sei, mas sei que como sugestão sua de registro do processo criativo, pretendo te escrever cartas! Pensamos hoje, mais cedo, no almoço na sua casa, que talvez o meu personagem pudesse ser um personagem criado pela própria Anita. Há pouco imaginei algo inusitado: e se eles não escrevessem especificamente um para o outro? E se as cartas parecessem se “corresponder”, mas não houvesse “correspondência”? Como resolver isso? Uma vez escrevi um diálogo para uma peça que brincava com isso. Uma personagem, Eurídice, repetia umas quatro vezes uma sequência de frases enquanto seu interlocutor, Orfeu, fazia perguntas que “combinavam” com as respostas, mas percebia-se que não havia diálogo, pois as respostas de Eurídice eram mecânicas. Era mais ou menos assim:
- Pronto?
- Quase.
- Mas há horas você está aí e nada!
- Só mais um pouquinho...
- Como só mais um pouquinho?
- Exatamente.
- O que você quer dizer com isso?
- Exatamente o que eu disse.
- Nós vamos chegar atrasados!
- Quase.
- Você vai ou não vai abrir a porta?
- Só mais um pouquinho...
- Desse jeito eu vou acabar perdendo a cabeça!
- Exatamente.
- Repete!
- Exatamente o que eu disse.

Enfim, não lembro bem das palavras, mas a situação era mais ou menos essa. Digamos momentaneamente que vou escrever as cartas de Artur. Anita dirige-se a alguém que não é esse Artur, mas o leitor não sabe a verdade. Na verdade, Artur ( o meu) achou as cartas de Anita num baú e resolveu respondê-las. Mas não sabemos se o destinatário a quem Anita enviou as cartas é o Artur. Os dois vivem necessariamente em épocas diferentes. O Artur, para quem Anita escreve, não precisa nem mesmo existir. Pode ser uma ficção da Anita. Ou pode ser alguém para quem Anita não tinha coragem de entregar as cartas. O Artur que responde pode ser alguém que descende de Anita ou pode ser alguém que descende do verdadeiro Artur para quem Anita escreveu as cartas. Ou nenhum dos dois. Bom, preciso com urgência criar um blog, ainda que ele comporte inicialmente apenas as cartas desse processo de criação. Estou feliz que estamos juntos nesse movimento.
Beijo,
Alberto

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