segunda-feira, 1 de março de 2010
Carta para Anita: visita surpresa
Anita querida,
preciso de você!
Imagino você batendo na minha porta de surpresa. Abro e o desejo de te abraçar é tão grande quanto o desejo de prolongar a surpresa de sua chegada, prolongar a sensação antes do abraço. Você entra e se dirige ao meu pomar, onde está minha cachorra. Deleito-me com a visão do seu rosto e com sua reação às lambidas dela na sua mão. Me encanto com esse carinho. Finalmente, você vem na minha direção e me abraça. Um abraço já destituído da surpresa inicial e do prazer de tê-la onde moro. Um abraço quase formal. E talvez eu me entristecesse. Mais provável que não. Você não para de olhar ao seu redor. Não sei se encantada. Com certeza curiosa. Como se dissesse que, apesar de todas as descrições que fiz da minha casa, você estava surpresa, não imaginara desse jeito. E desanda a me fazer perguntas sobre a casa, sobre os objetos, sobre as plantas, sobre a cachorra. Eu me sentiria, em algum recanto do meu ser, deixado de lado, à margem do seu devaneio. Para garantir sua presença, te ofereço uma água, te ofereço um vinho e pergunto o que te levou a vir à minha casa. Você suspira, senta numa poltrona da minha sala. Será que você suspira com frequência? O início da sua resposta é interrompido pelo gosto agradável do vinho. E você diria, brincando, que o vinho faz a ocasião. Eu rio. Sei, de certa forma, o que você quer dizer com isso. Rio das outras possibilidades que a frase desperta em mim. Rio da sua agilidade. Rio porque você me responde e não me responde. Você termina de beber o cálice de vinho, levanta-se. Imagino que você vai até a estante de livros. Você nem mesmo olha na direção dos livros. Olha para as conchas, algumas esculturas de barro que meus filhos fizeram quando eram pequenos. Pega uma pequena escultura com forma de cabeça humana e observa uma parte quebrada.
Eis-me imaginando como você seria...
Talvez não seja isso que se espera de uma carta. Talvez eu devesse falar de mim, expressar-me. Será que não fiz isso?
A solidão é o sentimento mais forte em mim. Tanto grito em mim que quero encontrar alguém quanto transpiro visivelmente a força da solidão. Perdoe-me por falar de modo assim tão estúpido, mas é como se, em alguns momentos, eu transpirasse a solidão da morte. Da morte? Por que da morte? Da vida, isso sim! Nem sei bem porque falei sobre isso. Acho que porque nos últimos tempos o lugar que mais conheço são os quartos de hotel. Nos falamos de novo? Espero que em breve.
Abraço,
Caio Marques
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