Você correu para o abraço.
Foi você.
Talvez sim.
Querido Élvio.
Te escrevo esta carta, mesmo sem saber se você algum dia vai ler. Acho que acredito que ao traçá-la produzo um acontecimento que muda alguma coisa na vida. Ou talvez seja apenas a esperança de que, se não você, alguém algum dia lerá o que escrevo e poderá fruir estas palavras. Mas acho que não. Ter escrito será suficiente para mim. Disse que não sei se você lerá “estas mal traçadas linhas” porque posso não terminar esta missiva. Posso também terminá-la e não entregá-la. Por falta de ocasião, vergonha, medo ou por outro sentimento qualquer que me impeça de viver o momento de verdadeira exposição e todas as suas consequências. Mas quem sabe eu conseguirei chegar ao fim desta carta e “heroicamente” entregá-la. Você, por vergonha, medo ou qualquer outro sentimento que te impeça de receber um verdadeiro momento de expressão de afeto, ou apenas porque eu te entregarei esta carta em ocasião pouco apropriada, vai pegar o envelope, olhar nos meus olhos e dizer obrigado, vou ler mais tarde, com calma. Aí você vai abrir sua pasta, pegar o livro do David Byrne, guardar a carta e esquecê-la. Já posso ver no futuro, alguém da sua família, abrindo aquele livro do avô ou do tio avô, de uma época em que fazia sentido lutar por um mundo com menos carros e mais bicicletas e descobrir esta carta nunca lida. Quem pode, quem poderá dizer para quem esta carta está sendo escrita?
Mas o que eu quero é te falar da dificuldade de compreender o abraço. Há uns dez dias atrás, numa despedida, nos abraçamos com uma tal proximidade que desentendi o que é um abraço.
Os abraços, como as cartas, podem ser afetuosos, cheios de desejos, de solidariedade, formais, desajeitados, temerosos. Nosso abraço começou no afeto, passou pelo desejo, esbarrou no medo, desajeitou-se e finalmente firmou-se no acolhimento de si e do outro. Aprendi ali e naquele momento que um abraço pode ser abertura, encontro. Encontrei o Caio Marques que só existe com você. Encontrei o Élvio que só existe com o Caio Marques. E nos embalamos.
Lembrei-me do abraço daqueles dois. Lembra? De uma virilidade assustadora, cheia de raiva pela impossibilidade de viver aquele amor. De um contato violento, que causava medo diante da profundidade com que tinham se tocado. De uma beleza extrema, que sacia nossa ânsia de sintonia. Você dizia que era amor. Olívia dizia que era amizade. Eu dizia que era amor e amizade e que cada um a cada vez sentia seja amor seja amizade e que eles nunca se encontravam.
Quero que você me abrace mais vezes. Quero te abraçar mais vezes. Sentir a palma das tuas mãos nas minhas costas. Tocar as tuas costas com a palma das minhas mãos. Deixar que você me faça sentir uma parte de mim que não vejo. Te fazer sentir uma parte de você que você não vê. Porque em alguns trechos não somos visíveis, apenas táteis.
Um beijo.
Caio Marques
Foi você.
Talvez sim.
Querido Élvio.
Te escrevo esta carta, mesmo sem saber se você algum dia vai ler. Acho que acredito que ao traçá-la produzo um acontecimento que muda alguma coisa na vida. Ou talvez seja apenas a esperança de que, se não você, alguém algum dia lerá o que escrevo e poderá fruir estas palavras. Mas acho que não. Ter escrito será suficiente para mim. Disse que não sei se você lerá “estas mal traçadas linhas” porque posso não terminar esta missiva. Posso também terminá-la e não entregá-la. Por falta de ocasião, vergonha, medo ou por outro sentimento qualquer que me impeça de viver o momento de verdadeira exposição e todas as suas consequências. Mas quem sabe eu conseguirei chegar ao fim desta carta e “heroicamente” entregá-la. Você, por vergonha, medo ou qualquer outro sentimento que te impeça de receber um verdadeiro momento de expressão de afeto, ou apenas porque eu te entregarei esta carta em ocasião pouco apropriada, vai pegar o envelope, olhar nos meus olhos e dizer obrigado, vou ler mais tarde, com calma. Aí você vai abrir sua pasta, pegar o livro do David Byrne, guardar a carta e esquecê-la. Já posso ver no futuro, alguém da sua família, abrindo aquele livro do avô ou do tio avô, de uma época em que fazia sentido lutar por um mundo com menos carros e mais bicicletas e descobrir esta carta nunca lida. Quem pode, quem poderá dizer para quem esta carta está sendo escrita?
Mas o que eu quero é te falar da dificuldade de compreender o abraço. Há uns dez dias atrás, numa despedida, nos abraçamos com uma tal proximidade que desentendi o que é um abraço.
Os abraços, como as cartas, podem ser afetuosos, cheios de desejos, de solidariedade, formais, desajeitados, temerosos. Nosso abraço começou no afeto, passou pelo desejo, esbarrou no medo, desajeitou-se e finalmente firmou-se no acolhimento de si e do outro. Aprendi ali e naquele momento que um abraço pode ser abertura, encontro. Encontrei o Caio Marques que só existe com você. Encontrei o Élvio que só existe com o Caio Marques. E nos embalamos.
Lembrei-me do abraço daqueles dois. Lembra? De uma virilidade assustadora, cheia de raiva pela impossibilidade de viver aquele amor. De um contato violento, que causava medo diante da profundidade com que tinham se tocado. De uma beleza extrema, que sacia nossa ânsia de sintonia. Você dizia que era amor. Olívia dizia que era amizade. Eu dizia que era amor e amizade e que cada um a cada vez sentia seja amor seja amizade e que eles nunca se encontravam.
Quero que você me abrace mais vezes. Quero te abraçar mais vezes. Sentir a palma das tuas mãos nas minhas costas. Tocar as tuas costas com a palma das minhas mãos. Deixar que você me faça sentir uma parte de mim que não vejo. Te fazer sentir uma parte de você que você não vê. Porque em alguns trechos não somos visíveis, apenas táteis.
Um beijo.
Caio Marques
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