sexta-feira, 30 de abril de 2010

Brasília, 30 de abril de 2010
Fernando e Paulinho.
Digo que é possível a vivência de certa ausência de remetente e de destinatário – simultaneamente ou separadamente – tal como foi escrito. Digo também que essa ausência é uma vaga lembrança em mim. Hoje recordo de uma frase famosa muito presente em mim e que figura numa carta de Caio para Anita e noutra (que é igual e outra simultaneamente) de Alberto para Maria Cláudia. Ambas estão no blog
http://albertotibaji.blogspot.com . Call me Ishmael. Após a lista de qualidades que Fernando me enviou (ou seria uma carta? Ou uma autobiografia dele? Ou uma biografia minha?), escrevi um texto que posso enviar depois, sobre o meu nome. Pode me chamar de Caio. Pode me chamar de Alberto. Pode me chamar de Tibaji. Pode me chamar de Junior.
Então, a vivência dessa ausência é possível, mas gosto de ter nome, gosto de me dirigir a alguém que tenha nome, ainda que tudo seja pleno de imaginação, ainda que o remetente no fundo seja outro, ainda que o destinatário mais apropriado para as palavras enunciadas não tenha sido nomeado ou não tenha nem mesmo nascido.
Beijos em vocês,
Alberto

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O plantio da palavra

Querida Maria Claudia.

Quanto mais escrevo, mais me fascino pelo próprio processo da escrita. De onde vêm essas ideias? Parece, às vezes, uma loucura que me acomete. A pulsação do sentido. Lateja. Lateja. Lateja. A pulsação do sentido. O que o registro escrito diz do processo da escrita? O sentido pulsa em mim. O ofício do escritor é escrever. Por isso escrevo o máximo que posso: bilhetes, mensagens, cartas, poemas, contos, ideias, artigos científicos, observações à margem dos trabalhos dos meus alunos, comentários à margem dos livros, listas de compras, recados, notas, riscos. Algum pesquisador um dia investigará há quanto tempo escrevo “Call me Ishmael”.

Cultivo as palavras e as expressões. Corre seiva nas palavras. Nas veias do sentido, corre o quê? Cultivo supressões, repetições, podas. E no lugar de um galho cortado da laranjeira pende um ramo farto de ora pro nobis. Planto hoje aqui e a palavra não sossega, insiste em buscar outro jardim. Planto, então, na horta e os cães urinam sobre ela, escavam-lhe as raízes. Desassossego. Planto a palavra no pomar e ela teima em querer outro lugar. Um dia planto-a em companhia apropriada e ela se enraíza nesse convívio. Mas atenção: a cada vez que planto a palavra, ela se fortalece, mesmo se o convívio não é o apropriado. E quando ela se enraíza, deixa rescender os perfumes que acolheu em cada plantio.

Beijo,

Alberto

Carta antecipada



Querida Anita.

Call me Ishmael. É assim que começa.Você dá um nome. Como um demiurgo no domingo, você cria todas as coisas e, por princípio, principia por criar o criador. Foi assim que começou. Você deu um nome. A quem pertence este nome? A quem chama? A quem é chamado? Pode me chamar de Caio. É assim que começa. Você dá um nome. Você se dá um nome. Caio, Caio Marques. Marque esse nome. Quem escolheu esse nome? Marque, remarque. Começo a responder antes mesmo que você me envie sua carta.

Agora você vem me falar de separação? Como assim? Então antes havia vida em comum! Surpreendo-me com tal descoberta. Delicio-me. Agora que estamos afastados... E há correspondência... Você vem me falar – ou vem me pedir? – separação? Seria possível lembrar de como tudo começou? Não sou bom de memória. Não quero ser. Será que escrevo porque não sou bom de memória? Não escrevo para guardar memória, mas justo porque não guardo memória, dissemino.

O que eu deveria dizer agora? Que não posso aceitar? Que quando um não quer dois não brigam? Que nunca houve vida em comum e que você imaginou tudo? A vida em comum foi fruto da sua imaginação? Ou devo te dizer que, para o bem ou para o mal, havia e sempre haverá vida em comum? Começo a responder antes mesmo que você envie sua carta. Acho que tenho uma espécie de incontinência imaginária. Na verdade, você não vai me escrever sobre isso. De onde tirei isso tudo? A imaginação farta. Fardo da imaginação. Fado? Falta? Medo que você me diga que não quer mais saber disso, que a partir de agora, tudo vai ser diferente, cada um no seu canto.

Desculpe a brincadeira.

Talvez eu tenha estragado tudo. Não seria de se estranhar.

Como os nomes, a quem pertencem estas palavras?

Do seu,

Caio

Carta antecipada



Querida Maria Claudia.

Call me Ishmael. É assim que começa.Você dá um nome. Como um demiurgo no domingo, você cria todas as coisas e, por princípio, principia por criar o criador. Foi assim que começou. Você deu um nome. A quem pertence este nome? A quem chama? A quem é chamado? Pode me chamar de Caio. É assim que começa. Você dá um nome. Você se dá um nome. Caio, Caio Marques. Marque esse nome. Quem escolheu esse nome? Marque, remarque. Começo a responder antes mesmo que você me envie sua carta.

Agora você vem me falar de separação? Como assim? Então antes havia vida em comum! Surpreendo-me com tal descoberta. Delicio-me. Agora que estamos afastados... E há correspondência... Você vem me falar – ou vem me pedir? – separação? Seria possível lembrar de como tudo começou? Não sou bom de memória. Não quero ser. Será que escrevo porque não sou bom de memória? Não escrevo para guardar memória, mas justo porque não guardo memória, dissemino.

O que eu deveria dizer agora? Que não posso aceitar? Que quando um não quer dois não brigam? Que nunca houve vida em comum e que você imaginou tudo? A vida em comum foi fruto da sua imaginação? Ou devo te dizer que, para o bem ou para o mal, havia e sempre haverá vida em comum? Começo a responder antes mesmo que você envie sua carta. Acho que tenho uma espécie de incontinência imaginária. Na verdade, você não vai me escrever sobre isso. De onde tirei isso tudo? A imaginação farta. Fardo da imaginação. Fado? Falta? Medo que você me diga que não quer mais saber disso, que a partir de agora, tudo vai ser diferente, cada um no seu canto.

Desculpe a brincadeira.

Talvez eu tenha estragado tudo. Não seria de se estranhar.

Como os nomes, a quem pertencem estas palavras?

Do seu,

Alberto

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Resposta à Carta de Anita XI

Querida Anita.

Li sua carta. Pensei em quando saí desta cidade. Você diria que eu te deixei? Que te abandonei? Não pedi que você me esperasse. Não sabia se queria que você me esperasse. Voltei. Que Caio voltou? De repente a descoberta que você partiu. Não me esperou. Então eu queria que você me esperasse? Foi esse o Caio que havia partido? Me senti abandonado? Não consigo identificar nada de significativo na viagem ao Norte que justifique essa inesperada desilusão. O que aconteceria se você estivesse aqui? Eu correria para o abraço?

Sou o desencontro de mim mesmo. E sou tão desencontrado que mesmo o me saber desencontrado não desbrava o caminho para o despertar de quem eu seria.

Dizem que há lugares em que se vê o encontro do céu com o mar, em que se vê o encontro de céu e terra e que chamam de horizonte. Nunca vi essa linha, ainda que imaginária. Olho para os lados e vejo montanhas, casas, árvores, mas jamais esse encontro. Nem mesmo consigo imaginá-lo.

Anita, não sei se é demais, mas peço que imagine o que é um homem sem horizontes. Esse homem sou eu. Não, não caminho a esmo. Isso não. Só não sigo mais tentando alcançar esse encontro imaginário. Será que perdi o rumo nessa minha viagem ao Norte? Não ria. Não é leviandade da minha parte. Não perdi o prumo.

Antes da minha partida, sentia que você de certa forma esperava que eu compreendesse o constrangimento que eu te causava ao falar de Maria Emília. Mas eu justificava minha atitude, dizendo para mim mesmo que, se você me amava, precisava me ouvir falar de Maria Emília.

Desculpas. Peço-as agora. Peço desculpas. Sei que por carta é mais fácil porque estamos distantes e eu não verei seu olhar e sua reação, seja ela qual for, a esse pedido. Mas por carta fica escrito, e as janelas da escrita não se abrem para os mesmos lugares que as janelas da voz.

Anita – esta é a terceira vez que te interpelo nesta carta –, como disse numa carta ao Élvio, frequentemente escrevo cartas sem saber para quem são, sem saber para que escrevo. Esta carta é para você, esteja você onde estiver e ela é para te pedir desculpas – não por ter sido incompetente para te amar –, é para te pedir desculpas pela tolice de tantas de minhas certezas.

Um abraço muito afetuoso.
Do SEU
Caio.