quarta-feira, 30 de maio de 2012

Querida Anita


Espero que esta te encontre bem de saúde. Assim, caso eu tivesse agora meus dez anos de idade, eu iniciaria esta carta. Perguntaria pelos seus. Você entenderia. E contaria sobre como tem sido minha vida. Pediria desculpas pela minha demora em te mandar notícias minhas. Demora que sempre se repete. Mas não tenho mais dez anos de idade e a carta começa em tom categórico. Assim

Definitivamente não sei ser quem sou. E me arrependo de ter dito definitivamente. E avalio que não me arrependi de tê-lo dito. Talvez me desfaça dessa culpa tão constante e apenas observe que não sinto necessidade de ser quem sou. Não é bem isso.

Não sei me conjugar apenas no presente. Sou um serei inabordável. Não fui aquilo que vivi. Conjugar-me é outro modo de estar desajuntado de mim. E a poesia nem sempre é agradável. Dói.

Um homem marcou indelevelmente a minha vida. Vou chamá-lo de Luizir. Éramos um trio: Luizir, Jurema e eu. Jurema disse: “não sei como vocês nunca namoraram! Ele te amava tanto, mas tinha medo do seu não”. E eu do dele. Mas ele não se despediu de mim. Deixou várias cartas, nenhuma para mim. Corri. Meus longos cabelos de cachos loiros tiveram medo. No canto de um quarto que não era só meu, tive vontade de viver como se cada momento fosse o último. Nas noites de insônia, quando o teto era meu confidente, concluía que tudo tinha sido como devia ser. E prossegui: marcado por sua ausência, sabedor de que a felicidade não está nas imediações do último instante nem está na certeza de que tudo está em seu lugar. Felicidade não se conjuga. E lembro das canções que mamãe ouvia: “Vem logo/Vem curar seu nego/Que chegou de porre/Lá da boemia”; “Canta, canta minha gente/Deixa a tristeza pra lá/Canta forte, canta alto/Que a vida vai melhorar”; “Eu vou me banhar de manjericão/Vou sacudir a poeira do corpo/Batendo com a mão/E vou voltar/Lá pro meu congado”.

Interrompo aqui esta carta, que talvez seja um fantasma da despedida que não li, e ainda um eco das cartas enviadas por meu pai e que mamãe lia em voz alta quando estávamos longe dele, ao norte.

Daquele que não tem nome próprio,

todo seu,
Caio

Um comentário:

  1. Caio,

    Tuas cartas matam minha sede. E a sede é tanta que as leio num único gole apressado e urgente. Quase engasgo, mal respiro, e num suspiro respondo.

    Não sei saboreá-las agora. Só sei responder apressada. Passado o atropelo trôpego das respostas impulsivas, leio e releio, dia após dia, releio e leio e saboreio cada linha, cada palavra, cada ponto e cada vírgula das tuas sentimentalidades.

    Bebo então com mais vagar, e embriago-me de ti.

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