Alguns filhos se envergonham do seu
pai. Outros admiram-no. Certamente há aqueles que sentem repulsa e há os que o
idolatram.
Meu pai me deixou um muro. Muro
alto, muito. Muro de arrimo. Sem ele nossa casa já teria desabado. Volto à casa
em que nasci e o que encontro é esse muro, sustento da minha origem. E me
impressiono. Meu pai não deixou fortuna. Nada que tenha mudado os rumos da
ciência ou beneficiado a humanidade, mas sozinho ergueu isso que sustenta nossa
casa. Não sei se desejo ser como ele, mas, se um dia tiver um filho, gostaria
que ele soubesse do valor de coisas como esse muro de arrimo.
Dia desses sonhei que a casa era
quase levada por uma chuva torrencial. As paredes começaram a rachar e minha
avó materna nonagenária resolvia – e conseguia – segurar a parede da casa. No
sonho ela me dizia que era ela quem deveria salvar a casa, já que era ela a
responsável pelo desabamento.
Há muito tempo que não tento
decifrar meus sonhos. Sei que eles não têm um significado misterioso, são uma
espécie de propulsão para a elaboração de algumas vivências, sejam elas boas ou
ruins.
Ora a impressão de um pai precavido
e laborioso, arrimo de família, ora o medo e o espanto diante da avó, origem
dos problemas e salvação dos mesmos.
Os dois gestos são fabulosos: um
impressiona, o outro espanta.
Mas esse pai me deixou. Pouco
importa se foi a morte que o levou, sinto-me só, abandonado. Essa avó me
acolhe, até hoje, sinto-me protegido, compreendido no que sou.
A água torrencial que escorre pelo
meu corpo, enquanto permaneço sentado nos degraus do alpendre da casa, lava
minha alma. E talvez, talvez, eu não seja quem digo ser. E esse pai é pai de um
outro homem, um pai que não foi levado pela morte, pai admirado pelo filho que,
ainda assim, se sente só. E a avó materna, essa sim já falecida, de longos cabelos grisalhos, era
aquela que com seu canto de sereia carregava o menino para um mundo de
estórias.
Volto-me. Levanto dos degraus. Não
és nem eu nem ele. És pedras figurando belo mosaico, palavras coloridas girando
num caleidoscópio. Desço cuidadosamente a ladeira. Não há porque aguardar. Sem
pressa,visivelmente confundo-me cada vez mais.
Caio Marques
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