quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Resposta ao reencontro

Querido Pedro.
Devo confessar que me assustei com sua vinda. Também me irritei. Num período tão curto, pessoas tão díspares me visitaram: você, Anita e Cecília. Seria pedir demais que eu permanecesse ileso.
E você chegou a pensar que eu teria te esquecido...
Falando nisso, faço minhas as suas palavras. Ou quase. Sim, me casei. Você sabe. Tenho dois filhos maravilhosos. Você também sabe... E me casei de um jeito convencional, devo dizer. Me casei com uma mulher, Maria Emília. Ah, você já sabe... Quem diria, meu amigo, eu, que também achava que você seria o único homem da minha vida, me casando com, nada mais nada menos, uma mulher. Aprendi que na vida, nossa orientação é nosso desejo, qualquer que seja o sexo.
Devo confessar que não consegui dormir depois de nossa ida à festa.
Também devo confessar que me assustei com sua reação. Nossa distância geográfica, mensurável em quilômetros, me impede de conversar com você pessoalmente. Mas não quero deixar isso para depois.
Explico agora com calma. Refiro-me ao seu espanto com relação à minha declaração de amor. Mas é fundamental que você entenda que amo os detalhes. Não são as coisas grandiosas que me enchem os olhos, mas as minúcias.
Olha para você ver. Cheguei na festa com a preocupação de resgatar o meu saca-rolhas (isso ainda tem hífen?). Você muito rapidamente encontrou-o e colocou-o no bolso da sua blusa de frio. E ele lá ficou, até a hora de sairmos. Um saca-rolhas. Percebe? Para além da demonstração de cuidado. Você guardou com você, perto do seu corpo, aquilo que permite a saída daquilo que retenho, aquilo que permite o fluxo. Fluxo de bebida similar ao sangue, líquido de sabor forte, embebido – se é que isso é possível – da herança paterna, você sabe. E você, sabe-se lá por que razões, depois de desobstruir meus afetos, repito, guardou junto de seu corpo, aquilo que me permitiria desimpedir novos afetos. E mo devolveu. Ou melhor: guardou-o no porta-luvas (inferno de reforma ortográfica!) do meu carro, como que dizendo: cabe a você, Caio, decidir agora o que fazer.
Mais uma coisa. Ainda na festa, quando eu disse que eu precisava parar de beber, você passou a vigiar minha sede. E pediu que eu parasse de beber. Não parei. Você carinhosamente aceitou que eu terminasse meu último copo. Depois disso, se me ofereciam algo, você recusava por mim.
Uma última coisa. O aconchego que você me fez sentir num momento de dor extrema, ainda na festa. Revelei para você uma dor profunda que guardo e que jamais dividi com ninguém da minha família e com nenhum amigo, por mais íntimo que seja. Aliás, peço, se não for de grande monta, que jamais fale sobre isso com ninguém. Nem comigo mesmo. Não tenho condições de lidar com essa dor. O abismo é largo demais e eu não tenho habilidade para saltar para o outro lado.
O saca-rolhas, a bebida e o abraço. Isso reacendeu em mim o que senti outrora por você.
Mas você fugiu. Refugiou-se de mim. E queria, por exemplo, que eu dissesse que amava em você o seu corpo: os olhos, os braços, o sexo, os pés ou o rosto. Ou que amava sua coragem, sua franqueza, sua vitalidade. Queria que eu amasse não um gesto, mas a mão que o realizava, não um olhar, mas uma decisão.
Nada disso me seduziu.
Você me encanta pelo ínfimo.
Sabe que não acredito nos pedidos. Não pedirei que você volte. Não pedirei que me ame.
Imagino como você lê essas atitudes...
Mas digo: quis você. Te quero novamente. Quero você ao meu lado, ainda que separado por quilômetros.
Teu,
Caio.

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