Querida Anita [Anita?],
Há quanto tempo longe da tua companhia... Fazes-me falta!
Perdão pela minha traição. Peço. Acabo de pedir. Creio que antes mesmo de pedir já fui perdoado pela sua resposta. Imagino que o fato de ter me respondido, já é, de algum modo, um certo perdão. Doce ilusão? Não creio.
Não me arrependo de ter tomado o lugar de Caio, de ter me apropriado do nome dele. Agora vejo que me sentia sozinho e que fui provavelmente tão Caio quanto o próprio Caio.
Ando assombrado. Escrevi muito nos últimos tempos, mas não conseguia me dirigir a você. Logo a você que me lê e me responde. Burrice. Talvez precisasse mesmo era terminar a farsa, o teatro, a encenação, o jogo ou como você quiser chamar esse período de nossa relação. E você, corajosamente, dolorosamente tira a máscara. [Tira?]
Você falou tanto de máscaras e de mentiras que preciso te enviar o que escrevi outro dia a respeito de algo que se passou há muitos e muitos dias.
Não me lembro bem porque me exaltei. Aliás, não era difícil eu me exaltar. O carinho dele era no sentido de eu não pôr a perder uma bela amizade. Na época, eu acreditava nesses encontros mágicos. Há tanto tempo éramos próximos e eu não percebera que ele estava interessado em mim. Se percebi, disfarcei tão bem que hoje em dia não me lembro. O que ele queria mesmo era poder colocar a mão na minha perna. Ver o que eu sentia. Naquela noite, ele sentiu na mão dele o que eu sentia. Ali, no restaurante, por baixo da toalha da mesa, enquanto conversávamos com nossos amigos. Eu também senti na minha mão o que ele sentia.
Voltamos a pé para casa.
Para ele, nosso amor era imperdoável.
Eu nunca soube o quanto ele mentia. Mentia tanto que eu já não sabia se o desejo de esconder o nosso amor também era falso. Nas minhas fantasias, imaginava ele rindo de mim porque eu acreditava que os outros não sabiam que ele era gay. Depois comecei a achar que ele mentia tanto que não conseguia perceber que mesmo dizendo para os outros que era gay, ele mentia. Não porque não fosse gay, mas porque ainda não sabia quem era.
Melhor. Ele mentia com tanta propriedade que era justo quando mentia que falava de modo mais verdadeiro. Assim, não era quando estava com os outros que ele falava a verdade e sim quando estava comigo e mentia. Porque a verdade dele não era um conteúdo qualquer e sim o próprio ato de mentir.
Foi nessa mentira que vivemos alguns bons meses. E nisso não éramos exceção. Não chegávamos a ser uma regra, mas éramos como grande parte dos homens que gostam de homens.
De tudo, ficou tatuada na minha coxa aquela pressão. Nenhum de nossos abraços, nenhum de nossos beijos, nenhuma de nossas noites de sexo, nenhum gozo me marcou mais do que a pressão de sua mão direita sobre a minha coxa esquerda.
Às vezes acho que fui infeliz e que não é rara a minúcia indelével.
Mas isso foi há muito tempo. E nós? Pergunto-me se menti tanto assim para você. Eu que já vi você totalmente nua, assim, despreocupadamente desejando estar despida diante de mim. Mas como a vida assemelha-se a uma imagem de Escher, digo que talvez você tenha despreocupadamente realizado o que eu desejava ardentemente.
E assim vagamos. Estarmos nus, um diante do outro. Talvez isso não seja possível. Você deseja estar com Caio e eu desejo um outro homem. Talvez. Quase sempre e sempre quase.
E assim vislumbro que o mais importante é nos desnudarmos. Jamais somos inteiramente aquilo que somos. Sempre sobra e falta.
Cai o rosto, a roupa, a máscara. Cai. Não sou mais Caio. Não sou, mas caio.
De tudo o que se passa entre nós, guardo a sua confiança. Suas palavras, seu carinho, sua beleza ficam; comigo segue apenas a sua confiança.
Venha me ver aonde eu sou o que sobra e o que falta de mim. Venha me ver aqui, um pouco ao sul, alto, perto do céu. E você vai descobrir que já me conhecia. E você vai descobrir que ainda falta muito para me descobrir.
Abraço do homem que te ama.
Pode me chamar de Alberto Tibaji.
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