Querida Anita.
Quando acordei, ele havia dependurado nossas horas no varal
e partido. O sol de inverno e o vento seco se lançavam sobre as horas
estendidas. Eram todas tecido leve e tremulavam na manhã fria do meu quintal. Eu
estava só. Vi, de imediato, apesar de estarem perto do cinza da parede do
fundo, as horas em que, com a ponta dos dedos, ele desenhou, em movimentos
circulares, a bagunça dos meus cabelos. Inúmeros anéis dos – talvez nossos –
cabelos, espécies de alianças suspensas, agitavam-se naquela manhã. Minha
sensação é de que a pressa ou quem sabe o medo de que eu acordasse e o
surpreendesse, obrigaram-no a pendurar essas horas sem o devido cuidado. E lá
ficaram, toalhas amarfanhadas e úmidas, perto do ora pro nobis e de seus espinhos que crescem no fundo do terreno. Ao
contrário, esticadas ao máximo, quase além do limite, as horas em que ele me
abraçou balançavam pesadamente, como um gigantesco lençol, cujas marcas
noturnas nenhum sol apagará. Os abraços desfraldados ocupavam a maior parte do
quintal, mas nem por isso me impediram de ver outras horas dependuradas como
roupas íntimas de mulher que se envergonha de exibir aquilo que cobre o que
dizem ser o mais secreto. Num canto, de modo que um visitante jamais repararia,
ele pendurou as horas – ou deveria dizer –, os breves momentos, em que no meu
carro, ele deslizou sua mão esquerda pelo jeans da minha calça. Essas horas –
que duraram o tempo de alguns segundos – estavam para mim no lugar que
correspondia ao meu afeto. Sim, porque desconcertado, sem saber o que fazer, e
não querendo acreditar no que podia estar acontecendo, não consegui receber o
carinho dispensado. Por fim, caídas sobre a grama verde do quintal, estavam as
horas em que me falou dele: desejos, sonhos, brincadeiras, desenhos de sua
vida, semelhantes a pequenas bonecas de pano, que enfeitam os quartos de tantas
meninas desejosas de carinho. Antes do cair da tarde, recolhi uma a uma as
horas que ele estendeu para que guardassem o calor e a força do tempo. Ao
final, haverá ainda quem diga que há em tudo o que eu disse ao menos um erro.
Como se chamar o nome dele pudesse sê-lo. Quem sabe?
Saldades,
Caio Marques
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